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Dia 13/07/2023 09:23

O SUCO DO CIÚMES

O SUCO DO CIÚMES
                    

Aquele dia, ela chegou diferente, seu humor ácido estava mais reservado, sentou no sofá, aceitou o café sem açúcar e me olhou com aquela expressão de criança quando faz algo errado.

Tenho uma coisa para te contar, foi tão ridículo, que estou até com vergonha de falar.

Tomamos o café em silêncio, mas não pense que o silêncio era constrangedor ou mesmo opressor, muito pelo contrário, ele continha até umas pitadas de divertimento.

Vou começar porque afinal, vim aqui para isso.

Eu estava tomando banho quando o Tonico gritou lá de dentro do quarto.

- Amor, vou no mercadinho comprar suco.

Na hora, quase que de imediato, o primeiro pensamento que surgiu na minha mente foi “como assim vai no mercadinho, ele nunca faz isso, em seguida ao pensamento, veio aquele aperto no peito tão meu conhecido”.

-Oi, Amor, não ouvi o que tu falastes, só um pouco que vou desligar o chuveiro - menti, para ganhar tempo e tentar lidar com minha angústia.

- Vou ali no mercadinho comprar um suco.

- Mas, amor, não precisa, tem laranja e limão para fazer suco.

- Eu quero ir no mercadinho comprar um suco, não quero fazer.

Consegui concordar.

- Então tá amor, vou terminar meu banho aqui.

Assim que ele saiu, os pensamentos invadiram meu cérebro. O que será que ele vai fazer? Será que vai se encontrar com alguém? Só pode, ir no mercadinho esta hora, nunca faz isto.

E, ao mesmo tempo, meu lado racional tentava ponderar. Calma, isto é viagem da tua mente, ele só vai ir no mercadinho. Lembra-se de tudo que está trabalhando na terapia, respira, são apenas pensamentos, percebe teus sentimentos.

Juro que eu tentei respirar, mas não deu. Foi me dando uma angústia, uma dor no peito tão intensa e decidi. Vou atrás dele.

Mal me sequei, vesti a primeira roupa que vi na frente.

Neste momento, meu senso de ridículo falou: “Não vai, deixa de ser louca”. Verdade, estou sendo louca. Ao mesmo tempo, eu não conseguia lidar com aquele aperto no peito, sufocante. Aí, tive a brilhante ideia de ligar e pedir para ele comprar alguma coisa, achando que iria me acalmar.

Liguei, o telefone estava ocupado. Na hora pensei: “Só pode ser ELA”.

Nem preciso te dizer que peguei a chave do carro e fui atrás. Como ele foi caminhando, ia dar tempo de eu pegar ele no flagra.

Eu tinha plena consciência de que era uma atitude totalmente equivocada, que eu não tinha nenhuma razão para esta desconfiança, mas era tão intenso aquela sensação, que eu não consegui evitar a incerteza da desconfiança.

Havia um lado meu que tinha absoluta certeza que ele iria encontrar alguém naqueles minutos de mercado.

Estacionei o carro, entrei no super com meu radar ativado, avistei ele no corredor falando no celular.

Fui caminhando igual a um pardal de tão leve, parei atrás dele e coloquei meu ouvido bem perto.

Era certo na minha mente que ele estava falando com ELA. Eu sei que essa ELA não existe, mas de alguma forma ela existe. Consegue me entender?

Consegui ouvir a conversa. Era Carlos, um colega de trabalho. Estava tão imerso no assunto que nem sentiu a minha presença.

Na hora, já me deu um alívio, que viagem isso de ciúmes, uma hora ele invade meu corpo e na outra se dissipa.

Eu dei duas batidinhas com o dedo no ombro dele. – Oi amor.

Ele se virou, com uma cara de total espanto.  O que está fazendo aqui?

Me deu uma vontade de tomar uma Coca, resolvi vir pegar. Até eu me espanto com minha capacidade de ser dissimulada nestas horas.

Por que não me ligou que eu levava?

Eu liguei, mas como estava ocupado, achei melhor vir comprar.

Saímos do mercadinho juntos, ele bem falante, não percebeu nada, e eu imersa em meus pensamentos. Buscando compreender todo o contexto da situação. O quanto ainda é difícil lidar com a insegurança, é algo tão intenso que se apodera do meu ser, é uma sensação que eu nem sei descrever.

No caminho para casa, fui tentando me conectar com meus sentimentos, acolher e não me criticar por ter ido atrás dele. Olhando para todo o meu histórico, acho que foi um avanço, porque em outro momento talvez tivesse falado tudo o que eu pensei, e iríamos acabar novamente brigando por causa da minha impulsividade. Desta vez, eu consegui não reagir de forma agressiva.

Sei que é ridículo, sair como uma louca atrás dele, mas dentro do contexto, foi o meu possível naquela situação.

Eu fico pensando: como me tornei essa pessoa tão ciumenta, isso não fazia parte do meu contexto de vida, muito menos do meu casamento. Em algum momento acessei minha vulnerabilidade e minha insegurança emergiu como um vulcão em erupção

- Vulcão em erupção, achei muito boa tua analogia. Eu ainda acrescentaria na tua análise do teu ciúmes uma certa necessidade de controle. O ciúme realmente tem essa capacidade de provocar um turbilhão de alterações, faz nosso coração ter taquicardia, nosso pulmão ficar sem ar, tensiona nossos músculos, e faz até com que nós nos sintamos ridículos em muitas situações.

Já pensou que, às vezes, os vulcões precisam entrar em erupção? Eles vão acumulando tantas coisas que em algum momento precisam explodir e, mesmo que seja difícil, é a forma que nosso corpo consegue nos fazer olhar para dentro e nos impulsionar para buscar mudanças em nossas vidas.

Lembra? Foi graças à erupção desse vulcão que nós estamos aqui hoje.

Quanto ao Tonico, tu vais contar para ele sobre o ciúmes que uma simples vontade de tomar um suquinho desencadeou?

- Imagina, nem pensar.

Escrito por :   RITA TOLOTTI